8 de outubro de 2007

País do Sol

Mudei-me, aqui, para o País do Sol e as minhas pernas não cabem mais dentro das calças. Não sei se as pernas cresceram ou se foram as calças que diminuíram, mas parece não existir pernas que caibam em calça alguma no País do Sol. As calçadas estilhaçadas jogam as pessoas a caminhar nas ruas e as pessoas das ruas jogam os carros para as garagens. Esta gente que anda e pára para conversar na rua faz cheiro de feriado todo o dia no País do Sol. Cheiro de feriado e suor-salgado-bom-de-sol. Vim em busca de não sei o quê e acabei encontrando mais; muito mais.

Atmosfera boa e tem o cheiro da praia acompanhando as três primeiras ruas paralelas à orla do País do Sol. Quando cheguei, forasteiro de vida nômade em diversos países e continentes submersos, tive vontade e decidi ficar mais. Descobri, graças à generosidade dos cidadãos do País do Sol, que dividiam comigo a cada encontro um pouco da história deste país amarelo, que seu cidadão mais ilustre foi um homem que viveu com uma cabeça de papelão. A grande estátua da praça principal da capital do País do Sol passou a fazer sentido: na altura de minha cabeça, estavam os sapatos; conforme subia os olhos, calça, paletó, gravata e um saco de papelão com dois buracos no lugar dos olhos. Assim estava registrado em pedra sabão o grande homem deste povo. Hoje não existe mais ninguém para se admirar mais que os outros. Estão todos iguais e felizes e não precisam mais de paletós. Gosto de pensar que a estátua é uma recordação distante dos países sem sol que eu não precisarei mais visitar.

Fiz muitos amigos e uma amiga bonita que gosta de ver desenho em nuvens. Enquanto ando, com as mãos enfiadas nos bolsos da bermuda, e chuto os ramalhetes de plantas que ameaçam invadir a trilha da grande montanha do País do Sol, ela, linda, de saia azul com flores vermelhas, diz: tem um touro, com chifre e tudo, ali; uma tartaruga-marinha velha naquela outra, ou não, com aquele rabo comprido parece mais uma arraia; tá vendo? Ela deve perceber, só vejo manchas brancas boiando sobre nós.

– Vê? O vento está desfazendo o búfalo ali.

– Não era um touro?

– Touros viram búfalos num instante nas nuvens. – brinca comigo.

O vento, quanto estava a meu favor, não em sentido, em intenção, trazia o cheiro desta moça bonita. Sempre com um quê de suor e axila e cabelo e coxas. Às vezes, o vento amigo parecia visitar sua saia antes. Em geral, era quieto e calmo em sua companhia, mas, algumas vezes, deixava meu coração acelerar. No País do Sol chove de vez em quando. Quando chove, meus amigos não aparecem para conversar na praça e, num dia desses de dilúvio, minha amiga bonita pareceu bonita pra mais alguém. E, por sua vez, este alguém atendia a prece na qual minha amiga bonita pedia alguém que fosse bonito para ela também. Perdi o interesse pelos amigos e sentia cada vez mais saudade da lua: branca e silenciosa em noite escura.

Houve um tempo em que passava tardes inteiras sentado, ao lado da minha amiga bonita, numa rocha que ficava no ventre da grande montanha apontando para o mar. Pela primeira vez, fui até lá sozinho. Brinquei com as nuvens e, também pela primeira, vi minha primeira imagem branca: um jacaré. Passeei os olhos para uma mancha ao lado: formou-se, em três dimensões, um canguru com o filhote na bolsa do seu ventre. E as imagens foram surgindo uma a uma diante dos meus olhos, como se enxergasse com os olhos da amiga que perdi.

Pela primeira vez, anoiteceu no País do Sol e eu adormeci.