10 de dezembro de 2008

A menina que fez um homem

E com os olhos enormes, como uma criança que se vê descoberta pelo padre sozinha na sacristia, respondeu “não” com a cabeça.

Os dois têm ali quinze anos; idade quando isso acontece.

– Não tenha medo. Beije meu corpo, sinta minha pele, sinta meu cheiro... descubra meu corpo.

O menino ia sem jeito, e vagaroso. A menina fechava os olhos e acendia todo o corpo; com o vento da respiração seus pêlos subiam e desciam. Suas mãos acariciavam sua nuca, enquanto lhe era beijado o ventre; a língua no umbigo arrepiou braço, perna e todo o dorso direito. Suspirava baixinho e sorria; com olhos fechados e os cachos de seus cabelos flutuando. Encontrou uma de suas mãos esquecida no travesseiro: beijou sua palma, cobriu o rosto com ela, tocou os lábios na ponta dos dedos e a pousou no seio esquerdo – acima de coração e pulmão que começavam a ofegar.

A menina já tinha tido outros namorados, não muitos. O menino era cordial; colocava sua curiosidade muito atrás do cuidado que tinha com ela. Tratava seu corpo como objeto que pudesse romper; estilhaçar. Alisou primeiro uma, depois a outra, perna – dos pés ao quadril; contornou a cintura; brincou com seu pêlos. Voltou a beijar seus seios e pescoço, e parou diante dela. Estavam tão próximos que os olhos tiveram dificuldade para focar os olhos um do outro.

– Não tenho medo. Aqui, em você, deixarei de ser menino e sempre que procurar este menino de volta, vou lembrar que ele está aqui; neste momento que durará para sempre em você e em mim.

Eles se beijaram por toda aquela tarde. Brincaram com as delícias de seus corpos nas semanas e meses seguintes. Até adormecerem um para o outro e acordarem em outros olhares. Choveu muito até o homem se lembrar do menino. Quando se lembrou, a mulher que lhe guardou já gerava outra criança (de outro menino) que iria se tornar menino e crescer lentamente até se tornar o homem que ela viu nascer nela um dia.

5 de dezembro de 2008

São Francisco, Estados Unidos, 05 de junho de 2003

Esta é a oitava carta entre dois irmãos chineses: Tài Tai Li de São Francisco (EUA), e Lao Peng Li que foi à China devido a morte do pai. Acompanhe as cartas anteriores: primeira, de Aiko Koan, avisando a morte do pai; segunda, de Lao Peng Li, assim que chegou na China; terceira, de Tài Tai; quarta e quinta de Lao Peng; sexta de Tài Tai; e sétima de Lao Peng.



São Francisco, Estados Unidos, 05 de junho de 2003

Olá, querido irmão.


Quanta angústia me acompanhou durante estes quatro meses que estive sem notícias suas. Chorei sobre cada palavra que dediquei a você em minha última carta. Depois dela, todas as semanas escrevi e enviei cartas e mais cartas ao seu destino: a princípio, cartas de perdão; depois, cartas desejando que o perdão viesse acompanhado por notícias; por fim, rezava sobre o papel apenas por um sinal de que estivesse vivo – mesmo que guardasse por mim todo o rancor do mundo. Agora que sabei que não está mais em Jilin, imagino que não tenha recebido nenhuma destas correspondências.

Depois de mais de cem dias de expectativa, depositando minhas cartas nas urnas do correio, como um náufrago lança seu pedido de socorro em garrafas pelos oceanos, recebo este envelope grafado com seu nome. Que alívio: seu nome, sua letra! Mas as notícias que me encaminha já se encarregaram de tornar a angústia ao meu peito. Coreanos à sua procura; esta misteriosa mulher, Xiao; você em Dandong nesta captura. Tudo muito misterioso. A princípio imaginei que esta moça pudesse fazer companhia a nosso pai nas noites em que se sentia muito só; mas parece que outras intenções, ou finalidades, ambos teriam com estes encontros. O que lhe parece, meu irmão? Quais impressões despertam seu medo? Evito pensar que haja qualquer relação entre nosso pai e os tais norte-coreanos.

Nestes meses de ausência o lucro da loja contínua sendo divido igualmente em nossas metades. Encaminho com a carta uma parte de “seu salário” do último mês. Não tenho certeza de que seja seguro mandar grandes quantidades num único envelope. Caso a entrega se comprove segura, e seja de sua vontade e necessidade, mando pouco a pouco, carta a carta, o dinheiro que é seu e está aqui comigo.

Não vejo motivos para levar até você mais preocupações, quero que saiba que por aqui está tudo em ordem. A não ser por um ocorrido: Tung diz estar grávida de mim. Sua barriga já salta aos olhos, e isso parece não atrapalhar que continuem a lhe procurar na boate. Pedi que ela parasse de trabalhar, pelo menos por enquanto, mas, como seus clientes – cada vez mais numerosos –, parece não se importar. Diz que vai continuar servindo no bordel enquanto puder. Diz ainda que só sai de lá quando um homem se oferecer para cuidar dela e do filho; ou seja, se casar com ela. Não suporto a idéia de tantos outros a violarem enquanto carrega meu filho em seu ventre. Não sei o que fazer, irmão. Mas deixe que resolvo tudo aqui, não tenha preocupações comigo.

Escreva com urgência, não me deixe aqui aflito. Continua a vir aqui, de quinze em quinze dias, aquele senhor chinês a quem pagamos pela segurança da loja. Dizem que ele tem muitos contatos na China. Caso consiga mais informações e o nome completo de Xiao, posso pedir a ele que investigue com seus companheiros quem é esta moça. O que acha?

Mantenha-se firme. Muito cuidado, não sabemos com quem você pode estar se metendo; cuidado irmão. E não deixe de escrever.

Forte abraço,

Tài Tai Li

2 de dezembro de 2008

Blogs unidos por Santa Catarina

Esta página, até aqui dedicada exclusivamente a Contos, abre espaço para um assunto muito mais sério: a campanha de apoio às vítimas da chuva em Santa Catarina.



Segue também o acesso para a página da Defesa Civil, onde encontrará mais informações.