Caminha, nesta estrada, o mundo todo igual: as placas foram 120; agora, 80; e o mundo, com 90, 110, 100, 105, foi extinto. Morosas réplicas, imperfeitas réplicas, seguem sem ultrapassar o destino uns dos outros. Por causa das placas, anseios (quase sempre) distintos igualaram-se e os distintos destinos não cruzam mais como antes. Como antes, apenas, porque, mesmo com as placas, ainda existem alguns que vêem em 80 muito – e seguem a respeitá-lo como limite máximo, não como padrão – e os que ignoram as placas e caminham além delas. Ambos são exceções; ambos são criticados quando ultrapassam ou são ultrapassados. O normal agora é distância igual do início ao fim da estrada.
Armando, como a maioria, segue a 80 e segue a cartilha – há muito tempo vigente. Casou-se e intercala os fins-de-semana entre a casa de seus pais e a casa de seus sogros: em cidades opostas, casas geminadas, jardins suspensos, pouco riso, tudo rijo. Recebe um pouco de inveja que logo oferecerá aos desconhecidos como ele. Há muitos anos, seu pai leu de um doutor e Armando, a vida toda, não fumou. A mulher de Armando, tanto leu que o cabelo cacheou, cresceu, alisou, escureceu, amarelou. Ela, ao contrário de Armando, recebe de volta a pouca dose de inveja que antes dedicou.
Armando só lê o que está escrito para que todos leiam. Consulta o obituário e, esta semana, sabe que o gerente será promovido à vaga deixada pelo diretor, o coordenador será gerente e que ele será coordenador: mesmo que, no fundo, saiba que seu auxiliar merecesse - mais que ele mesmo - sorte melhor que o burocrático trabalho que assumirá. Todos caminham a trajetória idêntica de seu antecessor e dão o mesmo sorriso às novidades – em escala – a partir da morte de um diretor. Contam, logo que um obituário novo traz a boa nova: o novo diretor, primeiro à amante, depois à esposa; o novo gerente fala alto no bar e grita – para vizinhança escutar – em casa; o, agora coordenador, Armando leva a esposa para jantar – e deixa para ela a graça de contar aos pais –; e o ex-auxiliar só tem a mãe que vá escutar.
Todos sentam em frente à televisão, confortam-se pela inesperada promoção e deixam o jornal trazer a glória das placas que punem quem anda a mais de 80. Então, boa noite.
27 de maio de 2008
15 de maio de 2008
Ao fechar a mala, ainda é tempo de não partir
Ao fechar a mala, ainda é tempo de não partir. Roupas dentro, livros intercalam; par de sapatos. Depois, correr os zíperes; palma das mãos, sobre a cama, entre as peças de roupas que decidiram ficar; olhos fecham e trazem o caminho a seguir. Medo de soltar a cama, onde vive acordado também. Cama preparada, como está costumava a aguardar seu único hóspede.
Há a saudade, em pré-visão, enquanto os olhos ainda silenciam. Ainda é tempo de ficar: roupas de volta ao armário, poetas à estante, vida ao juízo, corpo à cama; certo constrangimento. Tudo passa. Os olhos voltam a acender, as mãos e ombros às alças das bagagens e o alívio de já ter passado pelas despedidas.
O avião torna ao chão – os dias correm –, o vazio das primeiras semanas é preenchido e a saudade é gostosa recordação: pode agora mandar notícias ao passado.
Há a saudade, em pré-visão, enquanto os olhos ainda silenciam. Ainda é tempo de ficar: roupas de volta ao armário, poetas à estante, vida ao juízo, corpo à cama; certo constrangimento. Tudo passa. Os olhos voltam a acender, as mãos e ombros às alças das bagagens e o alívio de já ter passado pelas despedidas.
O avião torna ao chão – os dias correm –, o vazio das primeiras semanas é preenchido e a saudade é gostosa recordação: pode agora mandar notícias ao passado.
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