Fechei meus olhos por dez minutos, não mais que isso. No entanto, o meu relógio ainda marca as mesmas duas horas e vinte três minutos da última vez que o notei. Devo ter cochilado; não me entreguei a sono profundo. As imagens que produzia, neste intervalo de dez minutos, não mais que isso, enquanto adormeci, escaparam apenas um pouco do que costuma mandar meu juízo; não eram totalmente soltas e intermitentes quanto nos sonhos em que desmaio. É tudo tão recente que ainda posso me lembrar de todos os passos do que percorreu em minha cabeça, ora em campo consciente, ora inconsciente, durante este estreito espaço de tempo.
Começou após me acomodar na espreguiçadeira, num daqueles pensamentos mais probos; bucólico, nada exige ou interfere – posto tratar-se de um cochilo de tarde de domingo – na vida de mais ninguém. Pensava, sobre a espreguiçadeira, no caminho que faria para o banho de mar da manhã seguinte. Típico, quando estamos prestes a adormecer, esqueci das sacolas que teria que carregar até a praia, e projetei-me pela avenida principal até a quitanda; projetei-me acariciando uma a uma as maçãs da quitandeira até chegar à preferida. Da quitanda, segui à praia, me acomodei numa rocha isolada de todas as outras rochas que havia sobre a areia e, que não se sabe por quem, tinha sido colocada ali para me encontrar neste semi-sonho. Por ali, deixei meu rosto ser coberto pelo vento. Aos poucos, com o vento, e o sal e a areia, a me castigar, saltei ao inconsciente e, aos poucos e pela primeira vez, a imagem de meu próprio rosto foi se formando nítida em minha mente. Mais nítida ainda que a imagem oferecida pelo espelho aos olhos; já que os olhos, como sabemos, enxergam apenas o que querem. Transformam signos imperfeitos em sutis traços – os amaciando diariamente durante o escovar de dentes de cada dia em que acordamos mais velhos. O vento, úmido com seus cristais, foram moldando em meu rosto uma máscara, como que de gesso, mas de sutileza microscópica; invisível, sensível apenas aos micro-nervos, que, até então, nem se quer sabia que existiam, e que, além disso, de uma hora para outra resolveram submeter seus estímulos aos lobos occipitais de meu cérebro. Meus cílios superiores, longos, se unem com os inferiores, e permitem à modelagem de minhas pálpebras: longas, parecem não ter fim, ao término dos olhos caídos, seguem abaixo, na vertical, como canaletas talhadas pelo curso das lágrimas até a minha boca. Boca, queijo, nariz, pêlos, orelhas, a testa proeminente; e a imagem de meu próprio boneco de cera foi se formando.
Tudo isso durou por volta de dez minutos; engraçado o relógio teimar. Teimei em ler um rascunho de uma história que mal consegui inventar, e o relógio marcava duas e vinte dois; tomei um copo d’água, voltei ainda às duas e vinte e dois; chacoalhei a espreguiçadeira e me sobrepus a ela. Meu último ato, em nome da consciência, que costuma acusar o tempo que desperdiço a cochilar, serviria para reforçar à minha memória o horário em que me entreguei à preguiça a fim de desdenhar minha consciência quanto, posto novamente em pé, fosse subtrair o horário apontado pelo relógio ao que via quando me deitei: já eram duas e vinte e três. Agora, além de confuso, me falta o remorso pelo tempo desperdiçado a sonhar. Falta aquela sensação que, atrás de diminuir o prejuízo causado pelo ócio, faz com que eu produza dobrado – na eterna mentira que conto a mim mesmo: que a paz que preciso chega pelo tortuoso caminho do trabalho a exaustão. Mas hoje não. Sonhei sem sair do espaço e tempo. Vou desta vez para a cama, onde o tempo costuma passar mais rápido, sem trabalhar na fantástica história sobre o desaparecimento do homem invisível, torcendo para que me traga outro sonho, desta vez, sem canaletas de lágrimas.