22 de fevereiro de 2010

Antes de dormir

Um choro estridente. Ao lado, um bebê chora. Grita, até acordar o que dorme. Late o cachorro, late o trabalho do dia seguinte; o bebê chora. Quem acorda e briga é homem; quem chora é criança – ou mulher, como se diz. Não acordo, nem durmo; não ouço. Sinto que um bebê chora e que vem um dia para nascer. Olhos fechados; apenas os tornozelos e pés descobertos; ouvidos surdos. Não preciso me levantar. “Ele reclama”, de quê será? Em meu quarto, só, basto, deito e este bebê chora. Estrebucha. Por que assim? Não é capricho, tem urgência. Como questão de vida que caminha para a morte, cobre toda a vontade de existir em soluços.

Tenho raiva do bebê. Esqueço se ele tem pai, ou mãe. “E seu eu for seu pai?”. Tenho raiva. Torço para que, entre seus soluços e ranho, ele se sufoque. Espero como um doente que espera a cura. “Nenhum chefe demite se um bebê se sufocar em muco.” O cachorro silencia para o bebê chorar: é arte maior. De repente tenho medo que o choro pare. Tenho medo da morte. A morte vem quando paramos de chorar.

Mas o bebê ainda chora, sem que eu o escute.

Lentamente, tudo se torna criança descalça em trilha, com os pés frios pela lâmina de água que forma sobre a grama rala; logo percebemos que vamos encontrar o lago. Um galho suspenso, da grande árvore, vira cabide e a camiseta apóia. O personagem entra na água parada do lago em lua nova. Bóia com a justa, e velha, calça jeans. O som do vento submerge dentro d’água, e aproxima toda a existência a um céu molecular... Mas aí, já é sonho. E o bebê grita; ou, melhor, chora.