2 de junho de 2008

Pequeno livro de uma história de amor

Meses

Não precisaram de anos. Alguns meses, e já não eram mais. Uniram as costas, passagens nas mãos, e voaram, cada um, cinco horas para onde a testa apontava. Em cinco horas, estavam a dez um do outro; em poucos meses, tornaram os mesmos de antes.

A vida tornou a castigar cada um – como estava acostumada a fazer antes de colocar um frente a frente com o outro – a sua maneira. Ele conseguiu emprego só quando gastou suas últimas moedas no ônibus que o carregou à entrevista. Ela, em suas noites, dividia com os olhos o teto do quarto e com os ouvidos os gemidos de sua amiga e namorado no quarto ao lado. Ele se esparramou nos bares; aumentou os copos, as atrizes, os cólos e as cicatrizes. E, sem saber bem porque, acordava no dia seguinte. Às vezes, ela pretendia calar o quarto vizinho com o barulho do seu, mas soava falso.

* * *

Morte

Que poder a morte possui para unir as pessoas! De cara, é causa mor do anseio por viver. Sobre sua perene sombra, há milhares de anos, corpos e almas atiram-se a favor de outros corpos e almas. Mas há também outras formas; como foi o caso deste casal: chegou a um amigo comum dos desquitados. Os dois partiram juntos para o mesmo destino; de volta. Ele se esforçava para não esquecer o amigo morto, ela também: a lembrança, um do outro, insistia em atraí-los.

Ela receava o reencontro. Tinha medo da frieza, de se ver diante de nova amante; de ter sido esquecida. Pelo contrário, ele queria vê-la. Deixava seu coração acelerado o abraço que seguramente viria ao se verem: com gosto de lágrima de velório e saudade. No entanto, nenhum sabia se o outro conseguiria ir: ela imaginava que pudesse estar sem dinheiro; ele, que o trabalho talvez a impedisse.

* * *

Missa

A igreja recebeu o casal em missa com o corpo presente. Evidentemente cansados, ambos entraram pela porta principal da igreja sem se encontrarem e se acomodaram de maneira com que ele poderia vê-la: ele à esquerda no fundo; ela na cadeira que mais se aproximava do centro da nave, no entanto, pertencente ao bloco de cadeiras à direita.

Ele, nitidamente o mais cansado, sucumbiu ao sono. Ela, como se lembrasse de um dia ter sido católica, seguiu firme cada palavra do padre e, dê joelhos e olhos fechados, rezou até a igreja esvaziar; ou acreditar que estava só. Ele dormia com a cabeça quase encostada nos joelhos; parecia rezar. Mas, ateu desde a faculdade, trazia pendurado aos ouvidos tímidos fios de fones-de-ouvidos. Quando ela o encontrou, estavam sós. Sentou-se ao seu lado, puxou um dos fones e colocou em seu ouvido – ele permanecia entregue ao sono.

* * *

Música

João disse: Vai minha tristeza... Pareceu ser para ela; ela obedeceu. Soltou o fone sobre o banco, beijou seu rosto e mão e partiu para o vôo da noite. Enquanto ela descia os degraus da igreja, ele dormia e balbuciava: Não quero mais esse negócio de você longe de mim.

Mas...

Um comentário:

GNovo disse...

Olá a todos!

Este texto foi feito para o concurso de contos promovido pelo Estadão em homenagem aos 50 anos de Bossa Nova. O texto podia ter no máximo 3 mil caracteres e trazer a frase "Não quero mais esse negócio de você longe de mim"... Só não sei se eles permitem que eu o publique aqui...rs...

É isso aí...

Grande abraço.