Agir pelo não agir; lei do mínimo esforço; ócio criativo; ou
a máxima de Mário Quintana, que convence que “a preguiça é a mãe do progresso”,
concluindo que “se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria
inventado a roda“. Ah, poucas coisas podem nos acalentar melhor do que a recordação
destas sentenças (e tantas outras) suspenso numa rede enquanto o chinelo estala
a queda ao chão onde permanecerá. Ou, noutro cenário, noutro clima, na outra
estação que, mesmo que não façamos nada, nunca deixou chegar: sob a coberta,
sob o teto, sob as telhas sob o frio lá de fora; em frente à televisão; sobre o
sofá que lamenta um pouquinho cada vez que o corpo se mexe.
Mas não vou aprofundar homenagens a esta ninfa morosa. Além
da filosofia que a sustenta ser frágil, ela, a preguiça, não há de esperar que
este fiel servo seja provocado a debates sobre a necessidade do trabalho, sua
importância social, econômica, familiar. A quem se propuser, e levantar esta
bandeira, as batatas. “Demasiadas palavras, fraco impulso de vida”, pode
cantar.
Considero as observações necessárias, não como apologia à
vadiagem. Seria contra-senso; desserviço. No entanto, é importante mostrar que
a filosofia do ócio – repito aos debatentes de plantão, comprovadamente falida
–, mesmo mal embasada, está enraizada e há muito tempo ocupa meus devaneios
nesta espécie de alquimia, onde o tubo de ensaio é o sofá, de conquistas sem
diligência; ou sob as leis do mínimo esforço.
Réu confesso. E não poderia ser diferente, dada a quantidade
de testemunhas de meus não atos. Testemunha que tenho e posso evocar seu
depoimento caso levantem suspeita sobre a veracidade da história que contarei.
À época namorada, ainda hoje grande amiga e companheira,
cuja idoneidade dispensa qualquer defesa, com nome e sobrenome, Mariana Navarro,
estava lá. Nós, em campana vadia, na varanda de uma casa em Paranoá, cidade
satélite de Brasília, nos primeiros dias 2003. Tínhamos saído dias antes de São
Paulo para acompanhar a posse do presidente Lula. A casa onde estávamos
hospedados – talvez o certo fosse chamar de sítio – era visitada todos os
finais de tarde por um grupo de sagüis interessados num pomar com jabuticabeiras
e outras árvores de frutas que os anfitriões ofereciam. Logo adaptamos nossa
rotina a observá-los em sua última refeição, enquanto tomávamos o café para
rebater o que sobrara da noitada anterior.
Antes de prosseguir, explico que não me dispus a contar esta
história para entrar na lista de desafetos do padre Quevedo, ou virar
personagem dos programas da tarde que ele gosta de participar. Não tinha fita
métrica, mas estava dentro do limite (a menos de cinquenta metros do alvo da
manifestação) que ele, o padre-parapsicólogo, cobra como distância máxima antes
de dizer “isso no ecxiste! este homem és una farsa!”.
Dito isso, voltamos à varanda. Eu e a Mari sentados nos
degraus da escada; um ventinho bom levando a fumaça e espalhando o cheiro dos
copos de café; os macaquinhos agindo como macaquinhos no pomar. O pensamento
pulava de idéia em idéia no ritmo dos sagüis até quebrar o silêncio.
-- Má, você sabe que a nossa mente tem poder?
-- Hum.
-- É, se quisermos, podemos mexer objetos, atrair coisas só
com o poder da mente.
-- Hum.
-- É, telecinese.
A verdade é que eu só queria puxar assunto, mesmo que o
silêncio não incomodasse.
-- (...) Tá vendo aquele macaco?
Tinha um macaco longe do resto do grupo; numa árvore um
pouco afastada.
-- (...) Então, se a gente quiser, a gente pode derrubá-lo
apenas com a força do pensamento.
-- Hum.
-- Fica vendo.
Encarei o saguizinho, levei os dedos indicadores e médios
das duas mãos às têmporas dando pequenas voltas e permaneci por não mais de
cinco segundos. Como uma jaca amarelada pelo tempo, o macaco despencou da
árvore e se estatelou no chão. Levantou, deu uma sacudida, coçou a nuca, olhou
para os outros macacos para ver se algum caçoava e subiu ágil de volta às
entranhas da jabuticabeira.
Se eu tivesse presença de espírito, seria minha consagração;
Uri Geller teria um concorrente. Mas aquele macaco caiu e subiu muito mais
rápido que as minhas fichas. Olhei para o lado e os olhos arregalados da minha companheira
orientalizaram-se em comparação com os meus. Estava mais assustado que ela.
O susto acalmou e os
anos continuaram a passar pouco a pouco diluindo a esperança que aquele
acontecimento nutriu em mim. Quantos exercícios em vão. Quantos filas em
lotéricas. É verdade, aproveito para confessar, a vida me transformou num
socialista de fila de lotérica. E, até agora, se somos mesmos dotados daquela
habilidade, só serviu para derrubar o coitado do sagüi. Parapsicólogo de merda.
Agora, com licença, vou mandar uns currículos porque o
dinheiro não está caindo de árvores.
Um comentário:
Haha, socialista de porta de lotérica é boa.
É isso aí, escrita autoral em primeira pessoa. Quem te viu, quem te vê. E devo dizer, meu caro, este estilo cronista lhe cai muito bem. Prosa rápida, bem humorada, autocrítica....é como tu é mesmo...por isso a luva caiu bem. Continue assim.
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