11 de janeiro de 2007

Cantina Italiana

Um amigo de longe, longa data, de passagem, chama para almoçar. O tempo em que estamos distantes é suficiente para cada um querer, à sua maneira, impressionar o colega. Os problemas preferidos, ressaca, falta do que fazer, fila de banco, não seriam os assuntos. Reclamar da vida, lembrar o engarrafamento de manhã, mulher – porque se você tem mulher, reclama, se não tem, reclama também – nem pensar. Era hora de relembrar aquele projeto feito há dois anos atrás que o gerente não corrigiu uma vírgula. Não elogiou, não dividiu os méritos, não citou seu nome na cerimônia de premiação, é verdade. Mas, tratando-se deste gerente, o silêncio é o maior elogio. Lembrar e contar o maior feito da vida.
E como animal acuado, tímido e inseguro, parto para o ataque.
– Conheço uma cantina italiana super bacana.
Está vendo, já começou mal. “Super bacana” é do tempo em que eu estava na escola e, no recreio, comia um enroladinho e tomava Fanta Uva... É do tempo do recreio. Depois do tempo do recreio a gente passa pela hora do lanche e intervalo antes de chegar a um almoço da vida adulta.
– Ótimo, adoro a culinária italiana. Em Roma eu provei o melhor pizzicotti ai carciofi da minha vida!
De três uma: virou fresco, está se mostrando ou é veado. Mas a cara de interrogação é por não conseguir ao menos imaginar que raio vem neste prato. Na verdade se ele pedir para repetir o nome do prato não sai nada. Ele ainda não percebeu, ou não quis perceber, que o vale-coxinha que eu recebo mal permite passar na frente deste restaurante. Pior ainda. Mal sabe que, para mim, comer massa italiana e mastigar toalha suja com molho de tomate dá na mesma. Sou xucro, vai encarar?
O cardápio está na mão e o suor da testa já foi limpo com o guardanapo de pano. Enquanto isso o colega, todo pomposo, a minha frente já ajeitou o guardanapo sobre as pernas e tira, com as costas da mão, uma sujeira que, de tão pequena, eu só posso imaginar que exista em seu paletó.
O restaurante é típico suficiente para se dar ao luxo de não explicar neca de pitibiriba daqueles palavrões de uma lista que aqui se chama menu.
– Ó, eu acho que aquele prato você vai achar só em Roma mesmo. – e chamo o garçom – Que cerveja você tem? – de volta ao amigo – Toma uma Brahma?
– Não consigo comer e beber cerveja, acho que é a idade. – e pergunta ao garçom – Boa tarde, vocês servem Barbaresco Gaja 95?
No que este cara se transformou? Não é a mesma pessoa que jogava cimento na privada da escola e escrevia baixarias nos cadernos das meninas. Virou CEO de uma empresa qualquer e já começou com esses drinques extravagantes. Mais tarde descobri que era apenas um vinho. Mais tarde ainda, na hora da conta, vi que não era um vinho qualquer, muito pelo contrário.
Já estava prestes a perguntar se eles serviam macarrão com molho de tomate e carne quanto o engomadinho pediu permissão – ele perguntou assim mesmo, permite que eu faça o pedido? – para escolher nossa gororoba.
– Prepare um risotto alla milanese, com zafferano e o scaloppine alla pizzaiola, por favor. Vocês não colocam cebola, né? – E virou sorrindo para mim. – Pode ficar tranqüilo que não tem cebola.
Pediu licença e foi ao banheiro. Eu estava perplexo. Só me senti melhor quando pensei que qualquer amigo meu, do convívio atual, estaria também. Além do cara pedir em italiano um prato com três nomes, lembrar que eu não como cebola e tomar a dianteira da situação, ele percebeu que se deixasse eu pedir prato provavelmente ia passar maus bocados. Perguntei para o garçom do que se tratava o prato enquanto o bom vivan não voltava.
Sabe como são os pratos italianos, né? Uma fartura. Comi, bebi, a fome passou, o humor voltou. A única coisa que ficou na minha cabeça era o que de tudo que o garçom falou que viria no prato só reconhecia o contra filé. Mas tudo bem... Pô, o cara não tinha nada de arrogante. Subiu na vida porque era competente mesmo. Cheio de diplomas: mba pra cá, pós pra lá. O problema esta em mim, neste complexo de inferioridade infantil. Ele sempre foi um bom amigo, companheiro leal. Era engraçado vê-lo com as menininhas. Cada hora com uma história diferente para impressioná-las. Ai, ai, ele sempre foi especial mesmo.
Chega a conta e, em meio a risadas das histórias passadas, diz ele.
– O que achou do pedido?
– Está de parabéns. Nada como andar com um profundo conhecedor da culinária, porque não dizer, universal! – e caímos às gargalhadas.
As lembranças me rejuvenesceram, lembrei do décimo terceiro salário – não tenho filho para presentear no Natal – e meio embriagado peguei a conta e num golpe rápido passei o cartão de crédito ao garçom.
– Que é isso – tentou reagir o melhor amigo que já tive – permita-me pagar?
– Permita-me pagar?!? Pra que este fruqui-fruqui, fala direito comigo! – brinquei – A próxima é sua. Reencontrá-lo me valeu muito mais, ainda vai me pagar em conhecimento, dando aulas sobre o mundo – falei um pouco emocionado.
Como é mesmo o nome desse mundaréu de comida que a gente pediu? Chamei o garçom.
– Companheiro, deixa só eu anotar o nome deste prato, vou ficar decorando em casa para, se deus permitir, algum dia eu possa impressionar alguém com o este pedido. – murmurei.
– O que acabamos de comer foi um risotto alla milanese, com zafferano e o scaloppine alla pizzaiola muito bem feito, aliás. – disse o poliglota, enquanto eu lia que o prato servido havia sido Escalope ao Málaga.
!
Ele não fazia idéia do que tinha pedido ou comido e vice-versa. Deve ter decorado o nome para impressionar alguém.
Lembrei de suas historinhas para conquistar as menininhas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Hahahahahahahah!
Gostei bastante do texto.
Está afim de virar ProBlogger?
Ganhar um dinheirinho do Google?
Posso te explicar como funciona, se quiser.
Um grande abraço,
Guilherme (irmão do Flavio)

Anônimo disse...

Adorei o texto!
Já estava achando longa a espera por um novo post.
Beijo

Kelli Machado disse...

E a dúvida paira no ar: o 13º ficou ou não ficou todo lá no restaurante?