31 de julho de 2007

O elefante que se apaixonou por um aspirador de pó (fim)

Por muito tempo, meses, Nagu intercalou momentos de pé sem andar, com momentos deitado sem dormir. Embaixo de sua árvore favorita, preces e promessas impossíveis eram rogadas, em silêncio, sem parar. No entanto, se engana quem pensa que Nagu pedia a seu deus, Ganesha, felicidade ao lado de um aspirador de pó. Esta união, provavelmente, iria sugar toda a sua energia, principalmente por aspectos sociais. Qual elefante, em sã consciência, permitiria como membro da manada um aspirador de pó. E tinham outros ‘poréns’: diferenças culturais entre os imponentes elefantes e os submissos, por conseqüência, pouco confiáveis, aspiradores de pó. Estava apaixonado, mas ainda não tinha perdido totalmente seu bom-senso; por isso, demorou tanto a se render.

Antes, teve que certa eloqüência sentimental para convencer sua mente a liberar seu corpo a buscar sua felicidade: como poderiam – alma e carne e tromba e dentes de marfim – viver em paz com a inexplicável paixão dentro do peito e a memória com irritante competência a martelar o coração? Cada vez que se perguntava isso, sentia sua volta à grande casa dos fazendeiros mais próxima. “O que importa, sobre todas as coisas, é a minha plena felicidade e paz. Não serei feliz sem aquela estridente criaturinha, que alegra meus sentidos”. Despertado pela envolvente paixão, deixou que seu coração persuadisse sua mente e, sem saber que ao obedecer aquele impulso traia a si mesmo, foi para a casa-sede da gigantesca fazenda.

Fez todo o trajeto sem enxergar ao menos o chão. Noite sem lua; segui o faro de sua tromba. Quando chegou à casa, nem um som, além do produzido pela vegetação que apenas os elefantes podem escutar, escutava. Ainda estava escuro, sem sinais de que clarearia o céu novamente. Nagu, tocando apenas as pontas das patas, desviando de quaisquer folhas-secas que pudessem gritar o pisão e acordar a casa, contornou a sede metendo os olhos em cada fresta de vidraça. Não demorou muito, lá estava... As orelhas de Nagu se ergueram e, enquanto a vidraça da lavanderia se esforça para refletir a face de Nagu, em seus olhos era nítida a imagem do recipiente plástico com mangueira e cilindro cinza-pele-de-elefante.

A janela estava apenas encostada, os rolamentos estavam bem lubrificados com graxa e não fizeram barulho quando Nagu correu as portinholas. Com sua tromba, alcançou o aspirador de pó e partiram juntos para a floresta – mas, desta vez, Nagu foi ao sentido contrário de sua manada. Durante a caminhada, nem Nagu, nem aspirador, emitiram som algum. Dormiram próximos ao rio. Quando acordou, para não despertar o ilustre seqüestrado, tomou muito cuidado para não fazer barulho em seu banho de rio e estava distraído pensando em quê o futuro o reservava quando ouviu mais novamente o som estridente do aspirador. Num pulo, que esvazio o rio, o elefante correu à margem de onde vinha o som.

– Onde estamos?

Nagu não conseguiu deixar de sentir certo desconforto. Não eram estas as primeiras palavras que queria ouvir.

– Morro se cair na água. Pra isso que me trouxe aqui, quer me matar?

– Não quero te matar – começou Nagu –, te trouxe aqui porque me apaixonei por você.

– Ah, você por acaso não é o mesmo elefante que apareceu há umas semanas lá em casa?

– Isso foi há meses...

– Quase que mata a mim e a minha patroa com o barulho que fez. Minha garantia já acabou, se quebro, vou para a lata do lixo, sabia? Sem enterro, lágrimas, recordações, nada. Sabe quais foram as últimas palavras que meu irmão, um aspirador dois anos mais velho que eu, ouviu? “Maldita lata velha imprestável”! Pra você ver, nem de lata nós somos feitos.

As coisas não iam bem. Nada do sentimento que Nagu trazia pelo aspirador parecia ser recíproco. Também, pudera, desde quando aspirador se comove com juras e cenas de amor? O aspirador ligou e desembestou a falar, assim. “Aspirador gosta de aspirar”, veio a inspiração para Nagu. Ele pensou o que nenhum outro elefante apaixonado jamais pensou: para alguns o amor não existe. Afinal, comum é acreditar que, o que o indivíduo sente, motiva e norteia a vida de toda a comunidade. Nagu se aproximou do aspirador e, como quem oferece uma oportunidade, falou em tom sério:

– O que te proponho é uma vida que não acabará num latão de lixo. Se tua utilidade, para os homens, termina quando sua mangueira não suga mais o pó e a sujeira, para mim, que tenho tromba como mangueira, pouco importa esta sua utilidade. Vivendo ao meu lado, a principal característica que teve até hoje não valerá mais nada. Por outro lado, seu caráter efêmero de utilitário doméstico desaparece também. Percebe o que estou te propondo? ... Vida eterna!... Sem sua desgastante utilização, será eterno enquanto eu durar.

– Mas que razão tem viver um aspirador desligado?

– Não proponho que seja um aspirador totalmente desligado. Proponho a você que me utilize como seu aspirador. Dê ordens e eu as cumprirei. Diga: “sugue aqui; aspire ali; não deixe sujeira acumular no canto”, eu terei prazer em servir.
...

• • •

E foi assim que o elefante que se apaixonou por um aspirador de pó encontrou para viver o resto de sua vida ao lado de seu amor. Uma sucessão de pequenos enganos e enganações uniu dois personagens tão diferentes entre si. Mas para que esta história desse certo, elefante, que já fora imponente, precisou se render à insensibilidade eletrônica de aspirar e engolir seco toda a sujeira e pó de paixões mal resolvidas.
Viveram juntos para sempre.

Um comentário:

calebe simões disse...

hahahahahahahaha
essa história prova que todo ser apaixonado fica besta...rsrs

bora pra fotonovela?

bye