10 de outubro de 2006

É música, poema e um pouco da gente

Hoje, a caminho do trabalho, estava ouvindo Fado Tropical (sempre Chico, né? ...previsível...) e achei interessante falar da música assinada por Chico Buarque e Ruy Guerra neste espaço.

Censurada durante a ditadura militar e criada pouco antes de Chico Buarque ser exilado, Fado Tropical descreve a tristeza de um brasileiro que se vê obrigado a deixar o país.

“Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal”. (...)

Mas, além de servir como retrato da situação política que mal-tratou nosso (para resumir bem!!!) país por 21 anos, o diretor e roteirista de cinema, compositor (...) moçambicano, Ruy Guerra, recita um poema (brilhante), que humaniza um carrasco e expõe suas crises. A consciência de uma personagem que não esperamos que tenha consciência. A partir deste ponto esta música torna-se eterna, atemporal.

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além dasífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

E continua, após algumas estrofes apresentadas por Chico, seu depoimento:
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."
Podemos pensar neste poema como uma confissão e enxergar a angústia de quem faz o mal. Ver um caráter emotivo e piedoso em quem exerce o ofício de não pestanejar, que jamais perdoa, mas que depois de feito, desencontrado, ele mesmo se contesta.
Este carrasco não tem muito de nós? (Corro o risco aqui de começar a discutir o óbvio achando que ‘encontrei ouro’) Sem entrar no mérito da natureza humana, se somos bons ou maus. Falo de nossas opções, prioridades, do que abrimos mão sem darmos conta. E aí, podemos falar do que quisermos, serve para todos.
Será que não trazemos “as mãos distantes do peito”? E, “no calor da luta”, nossas parábolas, nossa independência proclamada aos quatro cantos ou apenas para si mesmo não são mentiras? Espero que não (embora não acredite nisso). Tenho certeza que, ao baixar do cutelo, se perceber que durante toda a vida alguma alienação, ou motivação secundária, fez com que eu não fizesse nada, tenho certeza, o coração não há de perdoar!

Um comentário:

Anônimo disse...

Pelo visto irei inaugurar o espaço, hehehhehe, não que ninguém leia, veja bem, acho apenas que se intimidaram de escrever. (rs)

Concordo com dois pontos, que temos sim, um pouco do carrasco nos nossos gestos e que ao final do texto, rolou um coito interrompido, do tipo, deixa eu correr que vou peder o ônibus.

Ao meu ver, o que acontece muitas vezes é que "É que há distância entre intenção e gesto", como diz o poema.

Involuntário muitas vezes, mas esse é o mistério de lidar com pessoas, onde em vários momentos, não há lugar para o racional, e quem comanda são os sentimentos, tão sem regras....

beijos