Eles dividem a mesma rua, as casas estão frente à frente uma da outra, e mal se cumprimentam. São duas famílias comuns formadas por dois casais: de pais e de filhos. Vou deixar claro que não estamos falando de vizinhos paulistanos. Moram numa cidade de pequeno, quase médio, porte. Eles se conhecem, sabem os nomes de uns dos outros, menos o dos filhos – dos outros –, e nunca dividiram xícara de açúcar, um guarda-chuva na ladeira ou a Kombi que leva a despesa do mês do mercadinho até a casa do cliente. A divisão destes vizinhos, nem cosmopolitas nem caipiras, não se limita a uns poucos metros de asfalto e concreto. Ninguém diz, é uma distinção velada como a maioria dos preconceitos brasileiros, mas são famílias separadas por questões sociais: uma é pobre e se acha pobre e a outra é pobre e se acha rica.
Os filhos estudam na mesma escolinha municipal: o menino pobre rico está na terceira séria e sua irmã na primeira, ambos nas turmas A. Os pobres pobres seguem os mesmos anos do vizinhos, mas estão em letras diferentes: o menino, na E; a menina, na D. A mãe pobre rica nunca se vangloriou, mas se delicia com o som dos As de seus filhos. Mesmo que este mesmo som não chegue às carteirinhas de notas, não importa, tem um casalzinho A! O pai pobre pobre não está nem aí – é vigia das sete às dezessete em uma firma que faz o lacre de segurança para a tampa de copo de requeijão –, sai do serviço, passa em casa e vai para o boteco onde joga caxeta. Às vezes ganha um dinheirinho que esconde dentro de um Santo Antônio oco e sua mulher nem sonha. Todo dia, no café da manhã, jura em silêncio que vai gastar com um presente para a mulher; à noite, quando volta do bar, faz as contas para ver se consegue fugir de casa. O pai pobre rico trabalha na empresa que faz a tampa para o copo de requeijão (nota: os donos das vacas que dão o leite para se fazer o requeijão é que são os ricos ricos da cidade). Ele opera uma pequena prensa que molda e faz o furo onde é encaixado o lacre de segurança. Acorda às quatro e meia todos os dias para ver o Telecurso na tv, não anota nada. Ensaia no espelho o pedido de promoção, talvez para se tornar encarregado em algum departamento. Quando bate o cartão, tem saudade e vai correndo para a casa; só diminui um pouco o passo quando lembra que não tem novidade. A mãe pobre pobre acha que está anêmica, teve rubéola, sarampo, catapora e o médico pediu para ela voltar semana que vem.
O Fox é o cachorro pobre rico, Costela é o pobre pobre e cada um tem seu buraco na grade para escapar para a rua. Seis da manhã, o Costela faz xixi no portão pobre rico, afinal, chumbo trocado não dói, e o Fox deixa sua marca no portão pobre pobre às cinco e meia enquanto se prepara para perseguir o leiteiro. Às nove, os dois se divertem rolando no gramado da pracinha do quarteirão de baixo.
3 comentários:
Como sempre, ótimo texto.
Abandonei um pouco meu blog.
Mas não minhas leituras.
Grande abraço.
cara gostei muito..sem comparar me lembrou albert camus
putz caxeta!!
vou ler O diabo e a mulher
abraço
Valeu a visita ao meu blog, que está um pouco abandonado. Gostei do texto. Se cuida. Abs!
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