28 de março de 2007

O Metrô e o Túnel do Tempo: a Divina Misericórdia

Era rotina de toda a cidade, por volta de duzentas mil pessoas, acordar, espreguiçar, café preto e correr para o Metrô. Fosse só por diversão, pular dentro trem só para passear pelas galerias do centro, pelas compras e pelos bares; fosse para trabalhar - uma minoria dependia do serviço com pontualidade. Sem horários de picos ou filas intermináveis. Pensando bem, existia pelo menos uma bilheteria por estação, no entanto nunca vi ninguém trocar suas moedas pelos passes. A impressão é que, ainda criança, um micro chip era inserido em cada cidadão nascido na cidade e a passagem era livre e gratuita pelas catracas. Mas isso não era verdade.
Lá não andava carro, seria extravagância. Pelas ruas apenas alguns ciclistas e muitos pedestres. Nenhum ônibus. De resto, para ir de um lado ou de outro, só metrô. Todos os dias, todos os horários. Durante a madrugada, metade dos vagões eram destinados ao transporte de mercadorias e materiais às indústrias – que não eram muitas e tinham suas próprias estações – e ao comércio. Nenhum caminhão.
O secretário de Transportes Públicos e Infra-Estrutura Urbana era deus, ou melhor, o atual era neto de deus. Seu avô foi quem colocou toda sua energia costurando cada quarteirão da cidade com linhas do trem subterrâneo. E acabou instituindo a tendência das urnas nas últimas quatro décadas: se você for o secretário de Transportes e Infra-Estrutura, sem dúvida será o próximo prefeito. O prefeito da cidade, ex-secretário de Transportes, quando acabar o mandato volta ao antigo cargo. E é assim até que a morte interrompa o processo. Às vezes por causas não naturais ou muito suspeitas; historicamente, isso não é tão incomum.
Nas antigas ruas de passear carro, nas manhãs e tardes de domingo, as mesas das sorveterias, lanchonetes, pastelarias e botequins invadem. Durante a semana, servem de passarela em eventos culturais, discursos públicos, maratonas públicas; eventos públicos previamente agendados na Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, SECEL, responsável por todo asfalto ao ar livre. Por iniciativa desta Secretaria, todas as ruas eram pintadas por grafiteiros e alunos do ensino público.

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Era tradição, que virou lei, dar nomes de pássaros aos corredores subsolos. Uns acreditam que era uma gozação destinada aos moradores que haviam sido contra as construções. Diziam, os opositores, que iam tornar aquela cidade em uma cidade de minhocas, enquanto o resto do mundo era formado por gaviões – referência à popularização dos aviões na mesma época – que voavam; outros, mais velhos, dizem se lembrar de ver o primeiro engenheiro das obras com pássaros engaiolados e, nas horas vagas, armar lunetas para apreciar os que ainda voavam soltos. Era um gringo, com cara vermelha e cabelo amarelo. Quando ele colocava o terno azul, era um Pica-pau (nome da primeira linha) escrito.
No entanto os nomes de pássaros se restringiam às linhas, as estações podiam levar qualquer nome. Nos bairros industriais as estações homenageavam grandes nomes da revolução industrial, grandes empreendedores, e, pela pressão de líderes da esquerda representativa da cidade, alguns filósofos comunistas batizavam os pontos. No canto cultural da cidade muitos eram os homenageados também, alguns merecedores da menção outros, por falta de nome melhores, apareciam porque precisava de um nome simplesmente como referência. Jamais uma estação sem nome serviria de indicação para alguém. E a história toda começou neste bairro.
Na última linha construída, a Linha Urutau, entre as estações Régis Loisel e Serge Lê Tendre, um percurso de três quilômetros, ou sete estações – como manda a métrica popular local: qualquer distância se mede por número de estações –, um namorado ansioso para encontrar seu par teve a impressão de que o tempo passava mais rápido. Quem não tem um peito de lata ou um nó de gravata no coração sabe que não é normal isso acontecer. Sabe que o tempo é obstáculo que se supera com muito custo e talha o coração de quem ama e encontra na recompensa de seu amor sua Divina Misericórdia.
(continua...)

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